sábado, 18 de setembro de 2010
041
Cansado de encontrar jargão em vez de bom senso, pudor sem virtude ou libertinagem sem volúpia, saio, só, para comer uma torta de nozes. Peço chá branco para acompanhar e, enquanto espero, olho pela vidraça o movimento das esquinas de ruas movimentadas. Ela passa: alta, muito magra, com alguma flutuação e desleixo no porte. Essa espécie de abandono nas maneiras que quase sempre anuncia uma mulher ardente que, mais preocupada em sentir do que em parecer, ignora sua beleza apenas para poder prová-la no momento necessário. Da rua ela sorri para mim. Fecho o Sade que trago nas mãos. Um caráter doce, uma alma terna, um espírito um pouco romanesco. As frases ecoam nas minhas entranhas. Retribuo o sorriso. Ela para, dá meia volta e entra na cafeteria. Gosto das atrevidas. Sempre às preferi. Ao contrário do palavrório gasto dos grupos masculinos reunidos nos cantos de qualquer reunião informal, elas nunca me assustaram. Nunca me fizeram menos. Ao contrário: além de divertidas e encantadoras em suas maneiras sedutoras, poupam trabalho. Gosto de me sentir a presa de vez em quando. E não sou menos homem por isso. Não mesmo. Ela pergunta se pode sentar. Consinto com outro sorriso. É que sou de escorpião!, argumenta. Bela coincidência!, me entrego. Ela assenta com os joelhos muito juntos e mexe nos longos cabelos. Deve estar na casa dos vinte e cinco. Uma das idades mais invejáveis. Não mais menina e ainda nem tão mulher. Pergunto se aceita um café ou um chá e se gostaria de comer algo. Opta pelo café apenas. Noto que está um tanto trêmula. Passo a falar sobre o que vejo à minha frente. Começo pelos brincos de argolas; depois a textura dos cabelos; as mãos de dedos longos e unhas no tom de vermelho exato. E passo pelos cheiros; e vou até a pele, os braços, o pescoço; as pernas, as ancas e a boca. Acabo nos olhos; e no hálito. Ela estremece. Minha voz senta-se ao piano e toca-lhe as poesias. Ela me fita fixo. Incrédula. A tarde de sábado flui; intensa. Com a pitada de rudeza necessária, vamos sem pressa nos tornando seres deliciosos um para o outro. Mozarela de búfala, tomate, manjericão e óleo de oliva recheando uma massa leve. Somos agora a quiche à caprese que compartilhamos. Um a servir o outro. E eu que já havia me decidido a parar de sonhar! E ela levanta-se para ir ao banheiro. E volto-me para observá-la em seu caminhar desalinhado. E sinto um calor meio doído. Premonitório. E quando ela volta se senta ao meu lado; pede que eu feche os olhos. Com os dedos, passa alguma coisa sobre os meus lábios que os faz em brasas. Penso ser um daqueles tipos de gel para aquecer específicas partes do corpo. Me faz prometer que não abrirei os olhos de jeito nenhum. Já está pegando fogo?!, a voz em leve sorriso. Digo que sim. E ela me diz para eu não me preocupar que ela, pessoalmente, vai aliviar o meu terrível sofrimento. E sinto um delicado soprar na região atingida. E logo os seus lábios nos meus; lambendo de vagar. E, em seguida, pequenas mordidas. E não resisto e seguro a sua cabeça com as duas mãos e enfio minha língua dentro da sua boca. E assim ficamos por quase meia eternidade. E enquanto de olhos cerrados percorro-a por dentro, vou desenhando-a em minha mente. E passeio por baixo das suas roupas. E meus dedos agora são bocas, e órgãos reprodutores masculinos; e meus lábios são batimentos cardíacos acelerados. Ela solta ais, uis e pequenos guinchos abafados. E logo acabamos por ser, mesmo sem ter o menor dos intentos, o centro das atenções. E somos enxotados do local como cães vadios em pleno cio em meio ao parquinho das crianças. E sem nos desgrudarmos rolamos rua abaixo. E tendo a lua como única testemunha, despencamos da calçada e somos tragados pela sarjeta. E, repentina, uma torrente muito forte de sentimentos líquidos leva-nos por dutos diferentes; os quais, logo descubro, não fazem mais conexão.
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