sexta-feira, 17 de setembro de 2010

040

Naquele tempo a gente era veloz e o tempo se arrastava. Agora me arrasto para seguir o tempo. E adoro quando tu esqueces os teus olhos em cima dos meus. Por vezes penso que não estás ali. Mas gosto de pensar que te sou útil até para que saias de ti e viajes para onde bem entenderes, sem saíres do meu lado. Quando te vi pela primeira vez, tive a sensação de ser dono de um desejo potencial por todas as fêmeas do mundo, concentrado em uma só mulher. O teu cheiro me fascinava. Era uma coisa animal mesmo. E não me dei por vencido enquanto não me vi montado em ti. Enquanto não me enfiei para dentro do teu corpo. E te trepei até em sonhos. E também em pesadelos. E quanto mais eu te cheirava, mais eu te mastigava. E eu já nem almoçava nem jantava. E comia, comia, comia. E só emagrecia. Daí fiquei doente e agora estou aqui, pensando que está tudo bem. E tu com os teus olhos de tu mesma. E o sangue a escorrer da minha cabeça como a fumaça de uma chaleira que se deixou tragar pela escuridão. Estou a poucos passos de mim e a sussurrar afeto para mim mesmo, andando pela fenda de concreto do túnel. Uma última luz débil agita-se em cima da minha cabeça. Temo não te ver mais. Nunca mais. Embora eu acredite que possa ficar por aqui para te fazer companhia, e cuidar para que nunca deixes de ser minha. É, vou te atrapalhar a vida. Mas peço que não te preocupes, será para o meu próprio bem. Não preciso mais dormir, e posso ficar dentro de ti o tempo que eu quiser. E sem tu perceberes até. E quando estiver fora, te vigiarei com meus olhos de cão. E serei gato e coruja durante a noite. E ninguém se aproximará de ti sem que eu permita. E não darei a mais ninguém esse gosto, que deveria ter sido só meu. Uma pena o que fizeste conosco.

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