quarta-feira, 15 de setembro de 2010
038
Ontem, na correria, não comentei nada sobre a ida de Sofia para Veneza. Não li nada sobre para que parte ela foi nem sobre os horários de voo, e não sei nada sobre o filme que vou ver logo mais. Talentosa, filha de talentosos, amigos meus, depois das tentativas em Cannes, só levou seu Leão de pelúcia porque sei que não se separaria dele por nada no mundo. Fui eu que dei de presente para ela em seu aniversário de catorze anos. À época eu já passava dos quarenta. Eu a conhecia bem. Sem nada saber, de nenhum dos filmes, fico tentado a achar que minha vida entrará em colapso. Eu trabalho para a imprensa; a crítica é o meu negócio. Mas Sofia se foi e eu fico contente. Gosto dela até quando nos filmes não me parece cem por cento defensável. Como na pele da sua “Angelina”, tão contemporânea, inclusive na trilha, também composta e executada por ela. Já cheguei a pensar que a gente até se surpreende quando as referências históricas particulares batem com alguma precisão na tela. Angelina sofre com um amor impossível, trinta anos mais velho do que ela. Tenho, confesso, um carinho particular por Sofia. Desde àquela época. Entrevistei-a, certa vez, por telefone, quando do lançamento de ‘A teoria das Sombras’, seu longa de estréia, ainda como atriz. Do qual gosto muito, mais até do que de ‘A última noite do ano da coisa que não aconteceu’, ambos baseados em livros de minha autoria. Disse a Sofia, com toda sinceridade, que, como pai da obra, me emocionara muito com o fato de ter sido ela a Simone, assassina em série em ‘A teoria das Sombras′. Pode não ter significado nada para os outros, mas, para mim, aquilo deu uma voltagem ao filme que potencializou ainda mais a personagem tão marcante. Até hoje muitos me dizem que gostariam de ser mortos por uma Simone. A sua atuação me deixa prostrado a cada vez que revejo. E revejo sempre, para não me perder dos detalhes. Sofia é a minha menina. Minha eterna menina. Disse também que ela era talvez pouco conhecida para um papel tão forte, e que as duras críticas que recebeu, no fundo, eram muito mais uma tentativa de atingir a mim. E eu jamais tive a intenção de prejudicá-la. Em síntese, me congratulava com o fato de ela ter sobrevivido ao episódio para virar diretora; e boa, muito boa. Ela deve ter percebido a sinceridade e foi calorosa comigo. Queria pegar um avião e vir me encontrar. Na mala, todos os seus pertences. Incluindo as cartas que jamais lhe escrevi. Nunca falamos sobre o passado. Na época ela estava meio que casada com um ator francês que vivia em Santa Catarina e era metido a símbolo sexual e intelectual ao mesmo tempo. Eu odiava aquele cara. Também o entrevistei por telefone uma vez e, entre uma pergunta e outra, conversei com ele sobre o casamento, e perguntei em que medida se influenciavam e se apoiavam em suas carreiras. Ele me disse que preferia comer “caca de gato” com morangos do que ter filhos com uma brasileira. É claro que, na edição, omiti essa parte da entrevista. Eu tinha os meus interesses. E Sofia não merecia saber disso. Mas fiquei, confesso, muito contente quando soube da separação dos dois através de revistas de fofocas. E, desde então, tenho acompanhado com muito mais interesse a evolução de Sofia. Ela já havia sido a aposta para a Palma de Ouro, mas não levou. A consagração que Cannes lhe negou, Veneza agora outorgará?!, diz a manchete na capa do caderno de cultura que tenho nas mãos. Mas não, ela não está indo para lá para receber prêmios. Ela está em fuga. Li que o seu novo filme será distribuído no Brasil pela Paramount. Não creio que vá para o Festival do Rio. Nem venha para cá, no de Gramado. Talvez eu tenha de ir a São Paulo para assistir. Mas já estou velho demais para viajar. Torço para que Sofia quebre a escrita. Para que ela ganhe a aposta. Chega de filme ruim recebendo o Leão. Sei que tem gente que gosta, mas aquele iraniano é o ‘Dias de Guerra’ requentado e com lances meio canalhas. Como o nu frontal na cena dos reféns. Algo de péssimo gosto. Eu nunca me casei; jamais quis atrapalhar a vida de alguém. E isso para mim é que é sinônimo de amor. E eu não tenho mais muito tempo de vida. Sofia está só agora, penso. Nunca suportei que me amassem. Eu trabalho para a imprensa; a crítica é o meu negócio. Entro no cinema; o filme começa. Fecho os olhos e vejo Sofia. E vou acompanhando o filme pelos ouvidos. E a enxergo protagonista; e coadjuvante. Quando ouço falar em crise do cinema de autor, e dos festivais, penso em Veneza. Berlim e Cannes se beneficiam por vir antes. Veneza, muitas vezes, vira a rapa de tacho da programação do ano. Mas não é para isso que ela está indo para lá. Nunca fui a Veneza; não parlo italiano; e tenho medo de água. E já estou velho demais para viajar.
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