sábado, 11 de setembro de 2010

034

Há dias ouço que eu estou com um sorriso novo. E eu curto-circuitando. Olho-me no espelho e percebo que minha cabeça pende para o lado esquerdo. Tento fazê-la voltar ao centro. Penso que seria muito melhor se eu tivesse nascido formiga. Continuaria, ainda, um inseto, mas do tipo respeitável; trabalhador. Alguém com uma função simples fazendo parte de um complexo sistema social. Como todo mundo. Seria integrante da eusocialidade. Teria como característica a sobreposição de gerações em um mesmo ninho. Teria também o cuidado cooperativo com a prole. E dividiria tarefas. Teria um papel social bem definido. Seria, ou reprodutor, ou operário – uma casta de obreiros sem asas. Todas as fêmeas seriam prognatas (assim como boa parte dos dentistas que eu conheço). Ficaria fácil: não haveria problemas de identificação. Entre o lábio e a hipofaringe eu teria a presença de um saco infrabucal. Teria antenas articuladas, com o artículo distal alongado – exceto se pertencesse a uma subfamília: Armaniinae ou Sphecomyrminae; possuiria o segundo e, dependendo da espécie, também o terceiro, segmento abdominal formando um pecíolo. No caso de ter asas, as anteriores não apresentariam nervuras ramificadas. Poderia apreciar nas fêmeas, também, a glândula metapleural abrindo na base das patas posteriores. E poderia assistir a rainha perder os seus órgãos de voo depois da cópula, que seria realizada em acrobacias aéreas de milhares de indivíduos, incluindo, talvez, eu. E o estudo da minha pessoa denominar-se-ia mirmecologia. E, em especial, saberia sempre o que fazer. Da manhã até a noite. Não precisaria ter ideias o tempo todo. Ou me preocupar com o que pensam os outros. E ninguém me diria que eu estou com um sorriso novo. E nem com a falta dele. Ninguém sequer saberia o que é um sorriso. Ou a falta dele.

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