sexta-feira, 3 de setembro de 2010

026

Dentro da cápsula há três possibilidades. Uma delas: a das coisas prováveis – um navio submarino, a redescoberta do pólo Sul, a fotografia que fala, a travessia da áfrica em um balão, as crateras de um extinto vulcão que nos levam ao centro da terra. Outra: a das meras possibilidades – um homem invisível, um ovo de cristal que reflete os acontecimentos em outro planeta, uma flor que devora alguém. E a terceira: a das coisas impossíveis – um homem que volta do futuro com uma filosofia futura, um outro que volta do mesmo tempo com o coração situado à direita, ou com o corpo todo invertido, ou espelhado. Entre Verne e Wells há mais Wilde do que as razões humanas de um escritor tentando invalidar a fé momentânea que a arte exige de todos nós podem nos convencer. Abre a garrafa de água mineral, despeja o conteúdo em um copo translucido, mete a cápsula na boca e derruba um gole grande por cima. Os ácidos estomacais tratam de desmanchá-la fazendo o seu tríplice conteúdo entrar na corrente sanguínea. Em um minuto e meio está tudo acabado. De olhos fechados descobre que desconfia da sua própria inteligência, como desconfiaríamos da inteligência de um Deus que mantivesse céus e infernos. Espinosa aparece com uma bússola na mão e diz: Deus não quer mal a ninguém nem quer bem a ninguém. E ele mete o dedo na goela o mais rápido que pode, põe tudo para fora de uma só vez e respira fundo o ar da manhã que se avizinha. Em seguida levanta-se, cambaleia até o espelho e se vê como de fato é.

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