quarta-feira, 18 de agosto de 2010

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Toda a sua vida havia sido apenas um ensaio geral para a rarefeita reclusão de agora. Encontrava-se em desencontro permanente. Há dias pedia socorro, mas ninguém o escutava. Não falava. Repelia-se por dentro. Com exceção de um gasto sorriso amarelo para os já acostumados, todas as páginas de seu diário de bordo estavam em branco. Nascido em algum lugar da terra, em algum dia de algum ano, perambulou por todos os extremos sem sair de casa, em endereço desconhecido. Chegou a embarcar em um trem expresso central repleto de passageiros olhando para o nada. Era óbvio que vinha de outro lugar: parava com os pés voltados para dentro. Pediu perdão algumas vezes; mesmo sem saber por quê. Nunca parecia ter ideia da inconveniência que acabava sempre causando. Jamais era ele mesmo justo quando mais precisava ser. Sabia como sabia permanecer calado, que o destino de toda companhia é a separação. Ele tinha esquecido de como era a música, e bebeu no gargalo mais um gole da sua cerveja preta, enquanto pensava que masturbação podia ser uma boa saída. Foi até o banheiro do bar e reativou os dias em que desconfiara ter sido feliz. Tom Waits, carne assada na brasa, beijos no pescoço e uma boa história para ler. Cuspiu no vaso, deu descarga, lavou as mãos e saiu para dentro do mundo.

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