Ao caminhar preciso de atritos e arrepios. Assim sou. Sou homem do vento. Ar que circula coisas que passam vida que flui. Mas a maioria das pessoas não gosta do vento. Algumas têm pavor até. Não conhecem as propriedades curativas e preventivas do ar em movimento. Penso que já escrevi sobre isso. Em algum lugar. Uma calçada talvez. Também tenho essa mania. Ao escrever preciso de atrito; e arrepios. Sou homem do giz na calçada. Já escrevi inúmeros romances. Permito-me raspar os pensamentos. Entregar as sobras à sorte. Escrevo isto aqui, agora, na calçada em frente ao prédio chique da avenida movimentada. Venta bastante. Os restos colam em mim. Outra parte é levada sob as solas dos sapatos. Logo virá alguém para me expulsar. Sempre acontece. Já estão todos me olhando. É tudo muito intenso. Comprei um chapéu para me proteger; das migalhas; dos pensamentos. Preciso de cobertura. Ao me resguardar não sinto as roçaduras; nem os frissons. Sou homem do chapéu. Vez ou outra alguém me atira uns trocados. Não me importo. Levo ao bolso. Foi guardando todos que comprei a vestimenta de cabeça. O giz é legado. Da época em que eu ensinava. Uma época em que se usava giz para se fazer entender. E todos entendiam. Em cada texto que escrevemos há sempre uma parte da qual nos arrependemos, diz o escritor. Em parte por medo de não sermos bem interpretados; em parte por medo do ridículo. Eu nunca sei qual é a minha parte. Eu nunca soube. Jamais me lembro do que escrevo; e nunca tenho a chance de me reler. Sou homem do vento. Do giz na calçada. E do chapéu que me dá cobertura.
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