Em meio aos fogos de artifício resolvi que a frase “bem-aventurados os inadaptados, porque deles é o Reino das Mudanças” seria o meu bordão. Notei que no centro do apartamento havia uma cama de marfim revestida de ouro e fios de prata e platina com duas ostras de esmeralda verde. E que apesar de minha, a mim não pertencia. Pude ver uma luz a piscar; reflexo dos fogos rasgando a escuridão, ou o neon dos meus dias imaginários de alegria feito noites tristes de inverno. Sobre a cama não havia ninguém que se pudesse notar. Levantei-me, saí do quarto e perambulei pela casa. De aposento em aposento, de soluçar em soluçar, de golpe em tudo de melhor alcançar, apesar do barulho da multidão, acabei por esquecer os últimos eventos que se sucediam aos habitantes da cidade. Resolvi dar uma checada na torre, de onde se podia ver todas as vidas e seus desdobramentos urbanos. Abri uma das portas e botei o pé para fora. Quando respirei o ar gelado me distraí a ponto de negligenciar a mim mesmo e ser colhido pela noite. Eu tinha medo de dormir; e acordar como Gregor Samsa. E eu queria; queria muito. Procurei então a porta da torre pela qual entrara, mas já não a reconheci. Deambulei por algum tempo por dentro da escuridão sem encontrar nada nem ninguém que me servisse de abrigo. Deitei-me no chão e me cobri com minhas parcas lembranças, frases soltas, faltas graves e alguma esperança
e então a aurora me alcançou e eu parei de purgar. E pensei em como seria construir uma história agradável e insólita ao mesmo tempo. E respondi para mim mesmo que isso não era nada perto do que eu poderia me contar na próxima noite; se eu sobrevivesse a mim, e a mim me preservasse para me autoescutar.
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