segunda-feira, 30 de agosto de 2010

022

Eu cheirava mais uma vez o livro novo em minhas mãos. Metia o nariz entre as páginas e aspirava profundo. Lembrava dos tempos em que não tinha dinheiro para comprá-los, e afastava das narinas os da biblioteca pública da minha cidade. Eu lia com os olhos. Com os olhos de Lia, eu sonhava. E sonhava não dormir para nunca deixar de vê-los. Novelos que minha avó consumia ao tramar presentes futuros para um passado infinito fio condutor. Conduzia o bem; ao ponto; o bife que minha mãe fazia na frigideira de ferro fundido; um molho enferrujado cobrindo as cebolas e as ervilhas e depois o arroz branco e solto. Soltava pipa e imaginação ao cair da tarde. E tarde foi o dia em que cheguei a prestar contas de mim para mim mesmo sobre os tempos desperdiçados sentado onde Lia; e ela me fugia. E ela era tudo o que eu queria. Mas nunca obtive. Encontra-se morto quem na prática não vive. E vivi para ela. A lia. E ela nem existia.

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