sexta-feira, 27 de agosto de 2010
019
Escrever é um ato solitário, como solitário acaba por se tornar o escritor. Não é como outros que se agrupam para trabalhar. E saem para as suas horas felizes ao final do expediente. Brindam e tilintam ao falar mal dos chefes. E os chefes de seus chefes. Enroscam-se, comentam sobre suas vidas pessoais, seus problemas conjugais e acabam na cama. Todo dia; o escritor conversa. Fala de si, debate sobre assuntos diversos, pede auxílio aos deuses – que vem em forma de ideias impressas em papeis de diferentes texturas e gramaturas e, como as gentes, cheiram bem quando nascem e passam a feder à medida que se desmancham em algum canto escuro e úmido da casa. O escritor relaciona-se em demasia. Tem muitos ao seu redor. Esbraveja contra o chefe que não possui. Toma café, lê os jornais. Tudo em silêncio e sem interrupções. E faz a sua hora feliz durante o sono. Repara dor. Ou quando está na rua a perceber. Nada escapa. É a festa dos olhos. Dos olhares. E passa em frente ao bar. Lá estão todos, ao final do expediente. Repara e reconhece. Volta para casa e espera. Escritores deveriam viver entre escritores. Não com os outros, os que se agrupam para trabalhar. Mas são seres solitários. Conversa em silêncio enquanto limpa as manchas vermelhas sobre o piso frio.
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