quinta-feira, 26 de agosto de 2010

018

Em dias de guarda-chuvas abertos as lágrimas passam despercebidas; e, não suportando a concorrência, tendem a desaparecer.

Pensei em acreditar no provérbio por mim recém inventado. Cocei a cabeça, olhei para o alto. Lembrei de Bertrand Russell: a evidência é sempre inimiga da exatidão. Éramos três. Eu, ela e ela. E elas se davam bem. Jamais antes disso eu havia me considerado um homem de sorte. Palavras sim, essas eram a malha fina que nunca se abandonavam de mim em perfeito estado. Quando criança sempre tive problemas por não saber me explicar. Formular pensamentos, unir as letras uma a uma, e depois as palavras em frases e então construir uma narrativa. Ter uma história para contar era o que se dizia em meu lar. E na escola: na escrita séria jamais rimar. E eu cresci considerando-me fora do lugar. O mundo é de quem não ri, pensava. E de quem ama uma vez só. Depois fiquei sabendo que se podia amar outras vezes; mas nunca ao mesmo tempo. Fui calculista em um tempo em que a matemática estava fora de moda. Durante a faculdade de letras eu perguntava quem tinha maior valor: o aluno de letras ou o futuro neurocirurgião?! Dá o rabo pra eles então, argumentava o Gledson; que não comia ninguém, mas tinha total consciência do seu potencial com as mulheres “enquanto intelectual”. E jamais se permitia, em um texto, à rima chegar. E tinha o irmão dele, estudante de lá, que acabou condenado por tentar matar quatro mulheres, em fases diferentes, por causa da mania de todas elas de sair para dançar. Ele querendo escrever: começo, meio e fim; filosofia, sociologia, Deus não existe e eu posso provar; tudo sem rimar; e elas querendo dançar. E eu desenhava nos livros; e escrevia merda na redação. E imitava o estilo dos autores que eu mais gostava. E lia, relia, misturava e lá saía – literatura não deve ser como dente guardado que não acaba nunca. Tem de permanecer na boca, onde é inevitável o apodrecimento. E o escárnio vinha certo. Olha lá o cariado!!! Rarrá, rerré, rirrí. Depois eu resolvi trocar de curso; e fui ser eu mesmo. Amar não é somar, nem subtrair; nem dividir, nem muito menos multiplicar. Amar é só amar. E conheci a primeira. Fui feliz sem me permitir. E caminhei sozinho. Almocei ovos e morei no sofá. E li, li, li e li. Arquitetei um futuro. E comprei um chapéu todo de papel. E separando o lixo seco do joio e do trigo, conheci a segunda. Somei, subtraí, dividi e multipliquei. Cheguei à regra de três, invertida. Quando apresentei uma à outra, a paixão foi imediata. Pegaram-se como bolinhas em lã de baixa qualidade. E eu no meio. Só olhando. Depois metendo. Um pouco aqui um muito ali e daqui a pouco tudo embolado e em cima e embaixo e de lado. E bem próximo e afastado. E fui ficando muito, mas muito mal acostumado. E foi aí exato que deixei de pensar em mim como um azarado. Coisa bem boa ser feliz rimado.

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