segunda-feira, 16 de agosto de 2010

008

Ao longo do aceno perdido no ar me vejo bem perto do desmoronamento. Antes eu ainda fosse a caixinha de chicletes ou o livro para passar o tempo enquanto o tempo não passa. Antes poder ter uma vida palindrômica. Ser belos versos sotádicos – antes eu ainda fosse antes; jamais me trairia; amar-me-ias tu; eu pensava: bem viver seria. Mas não há hipótese sagrada para sempre; nem vida que vá e volte. Voltar volta, mas sempre diferente. Um passo para trás, dois para frente. Um urso polar a viajar em cima de um extenso bloco de gelo. A gente em uma foto em capa de revista. Eu deveria ser mais turista. A bagagem já etiquetada. Despachada displicência. Nos meus bolsos: notas fiscais, bulas de remédio, dinheiro em notas de valores variados. Canetas, chaves, bilhetes; mapas, dicas, cartas de despedida, papeis em branco, comprimidos para a dor. Eis que passei por noventa e nove aposentos, na centésima porta estaríamos nós e nossos motivos. E eis que virei algumas folhas do livro sem ler. Foi onde perdi o que jamais poderei compreender. Última chamada, anunciam os microfones, última chamada. Uma espécie de sorriso por entre os fios de cabelo. Vejo meu amor se afastando através do vidro. Minha mão ainda no ar. E já não tenho mais nada. Nem mesmo a certeza de que tudo aconteceu de fato. Pode ser que eu tenha estado o tempo todo com o amor de outra pessoa. Ou com a pessoa de um ou outro amor. Pode ser que eu reescreva umas páginas. Pode ser que eu nunca mais me veja até o amanhecer. Pode ser que eu pule tudo e leia só o final. Pode ser que não possa ser, e tenha sido apenas um caso banal. Pode ser que eu esteja dormindo; e estarei aqui quando acordar; bem aqui no mesmo lugar.

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