Antes da chuva há sempre um aviso. Ainda que a chuva não venha é possível saber que ela se fez presente. Um dia nublado. Um rádio ligado. Denúncias de desordem e crimes do coração. Um casal à beira das impossibilidades. Ela estava para entrar a qualquer momento. Ao menos eu ansiava por isso. O casal falava sobre chip e telefonia móvel. Bem em frente: um motel de nome Avalon. Eu via tudo através do vidro que compõe a porta automática. Abre, fecha. Nem cheiro. O gosto era de mocaccino. Se ela entrasse agora eu viraria nitroglicerina! E para descrevê-la eu teria de apelar para as metáforas sobre filigranas, bífores, passos no corredor, sarcasmos e movimentos repetidos. Para descrevê-la eu teria de ser genial. Se as verdades não são absolutas, absolutas também não podem ser as mentiras. O casal não discutia. Apenas pedia mais dois pães de queijo e horas para passar. Puxei meu caderno preto à Moleskine e anotei três pensamentos. Fiz um desenho também. Gostava de ilustrar minhas angústias; para imaginá-las depois em Amarelo Ocre ou Azul da Prússia. Adorava pedir mais um café e seguir divagando; gesticular por dentro era meu passatempo predileto. O casal, então, falava dos filhos e do custo de vida. E folheava revistas enquanto fingia se conhecer. Alguém entrava. Não conseguia saber ao certo. Poderia ser Morgana em companhia de Arthur; Viviane com seu mago e guru barbudo; eu e minha esperança descabida. Os primeiros pingos demoravam a cair. O casal havia desistido das revistas e trocava pedaços de pães de queijo com alguma violência. Brumas dominavam o ambiente externo. Lá dentro: frutas vermelhas desabando dos céus. A Porta automática a se abrir mais uma vez. Sete passos hipotéticos na minha direção. Uma fala tatibitate. Eu prófugo de mim. Maçãs meteorológicas se apresentariam como o prato do dia, certo; se eu, no momento de virar nitro, não pedisse apenas mais um café.
E a chuva veio e permaneceu por todos os anos que se seguiram.
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