domingo, 5 de setembro de 2010

028

Estavam na esquina das avenidas Venâncio Aires com João Pessoa. Os carros passavam sem fazer nenhum som. Era como se a cidade houvesse se inclinado e todas as coisas rolassem em direção a zona sul. Olhavam-se atordoados. Os olhos esbugalhados. Pareciam engajados em uma causa sagrada. Tentavam adivinhar o que o outro dizia. Moviam os lábios incessantes. Até que ele parou. A pergunta permaneceu em sua garganta como um pedaço de pele morta. Ela olhou fixo para ele e logo baixou os olhos. O chão tendia a rachar-se; ou a derreter feito cera ao sol. Mas era noite. E os prédios desfaziam-se em luzes. E pensou que poderia parar o movimento com a força do seu pensamento. E parou. Fez uns desenhos no ar com as mãos que ficaram ali, estáticos. Queria mesmo era abraçá-la firme e esperar que alguma coisa acontecesse. Lembrou da história do duplo. Do relato “William Wilson”, de Poe, quando o duplo é abordado como a consciência do herói. Este mata e morre junto. E pensou no duplo como o seu anverso. Como um complemento. Aquele que não somos nem nunca seremos. E voltou a prestar atenção nela. Em seu rosto sereno. Sua pele de polietileno. Seus olhos de outra dimensão. Suspirou como suspiram os envolvidos com alguma paixão.

Parecia incrível que ela o tivesse ajudado a atravessar a rua.

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