terça-feira, 24 de agosto de 2010

016

Volto àquele café toda a segunda-feira. Fica em uma região abastada no saguão de entrada de um prédio comercial onde circulam muitos médicos, representantes de laboratórios, pessoas idosas, funcionárias bem vestidas e gestantes. Sento por lá, leio um livro ou saco o meu caderno de notas e escrevo sobre o que vejo. Nunca converso com ninguém. Meu único contato verbal é com as simpáticas atendentes do café, e apenas para fazer o meu pedido e solicitar a conta. Chego sempre lá pelo final da tarde e costumo gostar do que vejo.


O dia fora bastante atípico hoje. Trinta e um graus em pleno inverno. Coisas do sul do país; ou do aquecimento global; ou do simples e inexplicável desejo de calor da grande maioria. O ar condicionado emite conforto mais para o gelado. Meu chapéu resolve as adversidades climáticas, e chama a atenção de uma dessas mulheres quase prontas para colocar seres neste mundo. O nariz é uma batata doce. A cintura, uma abóbora moranga. Os seios: melhor nem falar. A boca concentra toda a produção de hormônios do corpo em expansão. As pernas mais do que roliças. Os cabelos presos com um lápis atravessado. O sangue quente. A pele doce. Uma bela mulher.


Olha-me e sorri o tempo todo. Um sorriso confuso; de quem está prestes a inserir um ser com total inaptidão ao que lhe reserva o meio. Retribuo o sorriso; embora bem mais confiante. Os lábios dela recebem nova carga hormonal. Passa a mão pelos cabelos; solta o penteado. Mexe nos brincos. Fecho o Rubem Fonseca, o bloco de notas, ergo-me da cadeira e me aproximo. Peço licença para sentar. Ela dá de ombros sorrindo de canto de boca. Adorei o seu chapéu, diz, deixando à mostra alguma timidez. Não existem mais homens a usá-los hoje em dia, continua. Só os mais corajosos, emendo. Ela solta uma gargalhada contida, cônscia de que há uma testemunha dentro de si. O que você faz?!, fala em tom de quem está quase a trocar de lugar com quem está chegando. Bebe mais um bocado do seu suco de laranja sugando voraz o canudo de plástico. Sem dúvidas um felizardo. Aqui, digo, inicio uma conversa com uma bela mulher. Para viver: escrevo. Um escritor?!, espanta-se. Nunca conheci um, excita-se. Nem eu, respondo sério. Gargalhada para dentro outra vez. Seus olhos brilham.

É nesse exato momento que me furto das demais indagações e passo a usar o método incondicional que consiste em obter respostas sem fazer perguntas.

Olho fixo bem dentro da cor dos olhos dela até as suas pupilas se dilatarem. Em seguida nos levantamos e saímos.





Ao chegarmos ao meu quarto de hotel a três quadras dali, fazemos o que tem de ser feito.










De manhã ela me pede em casamento. Eu digo que ela já é casada. Ah, é!, ela responde. Lançamo-nos ao desjejum em silêncio no salão do hotel.



Levo-a até a porta. Para quando é o bebê?!, interesso-me. Para agora!, faz cara de dor. Acompanho-a até o ponto de táxi, espero-a embarcar, e torço para que seja uma menina.

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