terça-feira, 10 de agosto de 2010

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Em fuga, dirigíamo-nos para o interior do túnel. Bem lá mais para frente estariam os outros. O sol se ia rápido deixando lembranças desordenadas pelo asfalto mais abaixo. Tínhamos de tomar cuidado para não acertarmos as laterais. Seria fatal a uma velocidade daquelas. Dentro de mim havia sons desconexos que, vez ou outra, se reordenavam em um Jeff Beck à Rosebud seguido de Left Hook. Havia um brilho intenso também. E vinha de cima. Fluuuusch, fluuuusch, passávamos por uma curva quando tudo parou. Congelados; nós. “Dois cafés, por favor...” Saia, botas, casaco, cabelos longos. Então reparei no ar; em como ele se tornara concreto diante dos meus olhos. E como enchia minhas mãos quando eu ultrapassava as barreiras dentro dele. Mãos retas. Dedos e braços esticados. E o som dos pássaros. Uma guitarra lenta; arpejada. “...dois pães de queijo e uma impossibilidade de reconciliação com o mundo”. Risos e mais risos ao fundo. Um telefone a insistir. Fluuuusch, fluuuusch, nova reta. Velocidade, muita velocidade. Ideias. Mais ideias. Um turbilhão delas. Passos. Carros na direção contrária. “Não há dinheiro que pague; que chegue; que compre; que se compare...”. Olhares desencontrados. Chances de cura. E um sorriso. E agora Nadia. Um por um caminho, outro por outro. Pensava ser refém do vento. Um rasante por entre as sílabas e um novo sorriso. A travessia tendia a ser completa. Arquipélagos, tundras, cadeias de montanhas. Seria melhor nem sair daqui. Nem ir até lá. Mas fui. Tarde demais. O sonho e seu oposto; o medo. A saída do túnel se aproximando. Fechei o livro; calei a música; tirei os fones. Gorjeta na mesa. Raasp... cadeira para trás; corpo ereto; movimento na direção do dever. Olhar de lado, os dois ali com caras de todo dia. Porta da rua; das mesmas que levam aos trabalhos todas as manhãs. Piso frio, calçada encharcada de esperanças de que uma noite a cena se repita. O meu outro eu ainda a vagar aéreo pela cidade.

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